Procuradora pede cautelar contra doação de área no Parque Memorial Arcoverde

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Germana LaureanoTerreno está avaliado em R$ 16 milhões, segundo procuradora

O Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPC-PE) protocolou pedido de medida cautelar, no Tribunal de Contas do Estado (TCE), para suspender temporariamente a doação de parte do terreno do Parque Memorial Arcoverse, usado pelo Museu Espaço Ciência, para duas empresas privadas instalarem um datacenter com uso de cabo submarino para velocidade da Internet. A representação, protocolada nesta terça-feira (29), foi assinada pela procuradora Germana Laureano, do MPC-PE. A procuradora apresenta vários argumentos, de ordem legal e cultural, para suspender a doação até que o TCE possa fazer uma análise mais ampla da matéria, em processo de auditoria especial.

Ministério Público de Contas de Pernambuco

QUESTIONAMENTOS SOBRE AS EMPRESAS PRIVADAS BENEFICIADAS

A procuradora questiona os motivos que levaram o Governo do Estado a beneficiar as duas empresas privadas com a doação do terreno, avaliado em R$ 16 milhões, segundo o MPC-PE.

“Configura fato público e notório que a destinação final do bem é a iniciativa privada, precisamente as empresas Seacable Serviços de Telecom LTDA e Sea Datacenter Tratamento de Dados LTDA. Trata-se de fato expresso claramente no já aludido Protocolo de Intenções firmado entre tais empresas, o Município do Recife e o Estado de Pernambuco”, diz Germana Laureano, na representação.

A procuradora argumenta que “a alienação de bens imóveis públicos para a iniciativa privada depende de prévia licitação, não podendo haver doação de imóvel público a pessoa que não integre a Administração Pública”.

“A fim de direcionar o imóvel às empresas Seacable Serviços de Telecom LTDA e Sea Datacenter Tratamento de Dados LTDA., que não podem recebê-lo do Poder Público em doação, autorizou o Estado de Pernambuco a medida em favor da ADEPE – sociedade de economia mista estadual e, como tal, sujeita à disciplina da Lei das Estatais, que contempla mais ressalvas ao dever de licitar em tema de alienação patrimonial. O que se vê, portanto, é que, apartado de um procedimento transparente de escolha das empresas, o Estado de Pernambuco as está beneficiando, de partida, com bem que, a par do inestimável valor imaterial, tem seu valor material já estimado em R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais)”, diz o texto da representação do MPC-PE.

O MPC-PE também apurou que as duas empresas beneficiárias da doação tem capital social declarado na Receita Federal de apenas dez mil reais cada, mas, além de receber um terreno de R$ 16 milhões do Estado, ainda prometem um investimento de 50 milhões de dólares.

Para o MPC-PE, o TCE deve “apurar a regularidade do procedimento adotado pelo Estado de Pernambuco para atração do investimento anunciado, mediante doação de imóvel de inestimável valor imaterial e expressivo valor material, com vistas a apurar o respeito aos cânones da isonomia, da moralidade e da transparência na gestão pública”.

IMPACTO NO PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Outro ponto questionado pelo MPC-PE é o interesse histórico, cultural e paisagístico do terreno, que tem projeto de Burle Marx e está na área de influência do Sítio Histórico de Olinda, patrimônio mundial da UNESCO.

“O data center na área repassada pelo Estado de Pernambuco tem o potencial de dilapidar o histórico jardim ali instalado, idealizado por Roberto Burle Marx – renomado artista plástico e paisagista brasileiro, que possui diversas de suas obras já tombadas pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN no Estado de Pernambuco, a exemplo dos jardins históricos, tombados desde 2008, situados à Praça da República, Palácio do Campo das Princesas, Praça de Casa Forte, Praça do Derby, Praça Euclides da Cunha, Praça Faria Neves, Praça Salgado Filho, além de outros jardins históricos pelo Brasil que estão em processo de tombamento”, alerta Germana Laureano, na representação.

O MPC-PE lembra que a área repassada “está compreendida na região de influência do Sítio Histórico da cidade de Olinda, tombado desde 1968 pelo Iphan e reconhecido como Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco 14 anos mais tarde, em 1982”.

“Óbvio, pois, que toda e qualquer intervenção a ser ali realizada reclama, para sua validade, prévia anuência do Iphan, à luz da Portaria 420, de 22 de dezembro de 2010 daquele órgão, que dispõe acerca dos procedimentos a serem observados para a concessão de autorização para realização de intervenções em bens edificados tombados e nas respectivas áreas de entorno”, explica a procuradora Germana Laureano.

O MPC-PE, através da procuradora Germana Laureano, já solicitou a atuação do Ministério Público Federal (MPF) sobre a doação, devido ao interesse federal do IPHAN na preservação da área.

TERRENO ÚNICO

Outro questionamento de Germana Laureano é sobre o argumento do atual Governo do Estado, em nota oficial, de que o terreno do Museu é “o único” no Estado capaz de atender a instalação do datacenter e do cabo submarino para Internet.

O MPC-PE apurou que, em 2021, o Governo do Estado tinha indicado outro terreno para o mesmo empreendimento.

“Ainda em dezembro de 2021, o Estado de Pernambuco editara a Lei Estadual n. 17.613/2021 cedendo o uso para o Município do Recife de área diversa para a mesma finalidade. Bastante a leitura daquele diploma legal, agora revogado, para extrair que os benfazejos empreendimentos de construção de data center e landing station ocorreriam no imóvel situado à Avenida Agamenon Magalhães, 5091, Campo Grande, Recife/PE”, explica Germana Laureano.

Assim, para o MPC-PE, existem, ao menos, indícios “de que a parte do terreno objeto da novel Lei Estadual 17.940/2022, em que funciona o museu Espaço Ciência, pode não ser a única em solo pernambucano nem recifense apta a receber o empreendimento em lume, de construção de landing station”.

GOVERNADORA ELEITA

A equipe de transição da governadora eleita, Raquel Lyra (PSDB) também questionou a atual gestão, do governador Paulo Câmara (PSB), sobre a doação do terreno.

A vice-governadora eleita, Priscila Krause (Cidadania), coordenadora da equipe de transição, assinou um ofício solicitando detalhes ao governo estadual sobre a doação de parte do Espaço Ciência, em Olinda, à iniciativa privada.

“Temos o interesse em nos aprofundar sobre essa questão, que tem recebido atenção da sociedade. Trata-se de um importante espaço público de responsabilidade do Governo de Pernambuco, por um lado, e de um empreendimento que tem como finalidade algo estruturador para a economia pernambucana, que é a chegada dos cabos submarinos, fundamentais para o desenvolvimento do nosso polo tecnológico. Embora saibamos da importância dos cabos, é preciso que se esclareçam questões fundamentais para garantir que seja uma medida alinhada com o interesse público, como o detalhamento das contrapartidas, por exemplo”, afirmou Priscila.

CAUTELAR

O MPC-PE quer uma medida cautelar, com urgência, para “determinar à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco que se abstenha de autorizar, determinar ou permitir a desocupação do Museu Espaço Ciência, a retirada de equipamentos e o uso daquela por quaisquer empresas e órgãos até o pronunciamento definitivo dessa Corte de Contas acerca dos fatos ora narrados”.

A decisão caberá ao TCE, por um dos seus conselheiros.

O MPC-PE pede também ao TCE a “formalização de processo de auditoria especial com vistas ao exame, pela área técnica, dos fatos reportados na presente representação, notadamente a regularidade da doação autorizada pela recente Lei Estadual 17.940/2022, para ulterior doação a particulares, notadamente sob os prismas da adequação da medida para atingimento da finalidade pública almejada, da idoneidade dos seus motivos fáticos determinantes, bem como do respectivo direcionamento final em favor das empresas Seacable Serviços de Telecom LTDA e Sea Datacenter Tratamento de Dados LTDA”.

Ainda não há informações sobre a decisão do TCE a respeito deste pedido de Germana Laureano.

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